Serie ‘O Que Fazer?’ – Abordagem ao paciente dispneico

Um pouco de teoria

Dispneia é a sensação de falta de ar, com respiração difícil ou desconfortável, sendo um dos mais significativos sintomas da insuficiência respiratória (IR). No atendimento às urgências e emergências, a insuficiência respiratória sobressai como um agravo que requer cuidado especial em face de sua gravidade. Na IR o sistema respiratório mostra-se incapaz de manter as trocas gasosas adequadas, o que resulta na dificuldade em captar e transportar o oxigênio (O2), ou, ainda, eliminar gás carbônico (CO2).

Em casos de redução significativa da ventilação alveolar, instala-se a hipoxemia. O agravamento desse quadro pode causar um “curto-circuito” nos pulmões, o chamado shunt pulmonar, com retenção de CO2, caracterizando a hipercapnia.

Os efeitos da hipoxemia podem ser agrupados sob dois aspectos:

  • Produção de catecolaminas que agem indiretamente no sistema nervoso, causando: taquipneia, polipneia, taquicardia, hipertensão pulmonar e poliglobulia.
  • Ação depressora direta nos tecidos e órgãos, causando: cianose, insuficiência cardíaca, uremia, insuficiência renal, confusão, convulsões e coma.

A hipercapnia moderada, por sua vez, pode determinar duas ações contrapostas:

  • A elevação da PaCO2 estimula a medula suprarrenal, aumentando produção de catecolaminas e desencadeando a vasoconstrição, hipertensão e taquicardia.
  • A vasoconstrição produzida por catecolaminas necessita de determinadas terminações nervosas presentes no endotelio dos vasos sanguineos, exceto nos vasos que realizam a circulação cerebral. Portanto, a hipercapnia causa vasodilatação e cefaléia.

A presença de outros sinais também pode ser atribuída à hipercapnia, a saber: agitação e agressividade; oligopneia e apneia decorrentes de ação depressora no centro respiratório; confusão, por causa da ação neuronal; respiração rápida e profunda, como uma tentativa corporal de eliminar CO2.

A gasometria arterial é o principal exame utilizado na avaliação das condições de ventilação pulmonar. Seus valores normais são:

pH …………………………………. 7,35 a 7,45

PaO2 …………………………….. 80 – 90 mmHg

PaCO2 …………………………… 35 – 45 mmHg

Bicarbonato ……………………. 22 – 26 mEq/L

Excesso de base ……………. -2 a +2 mEq/L

Saturação de O2 …………….. 96 – 97%

 

    Mãos à obra: abordagem prática de enfermagem

 


Avaliação inicial

A avaliação de enfermagem deve ser realizada de imediato. Deve-se prontamente proceder à verificação de sinais vitais, especialmente a saturação de oxigênio. A presença de saturação de O2 menor que 90% é caracterizado como emergência e, em casos onde haja classificação de risco, deve-se atribuir ao caso caráter de prioridade máxima (prioridade zero). Uma saturação de O2 entre 92% e 94% pode ser classificada como prioridade 1 e deve ser vista como urgência de maior grau, tendo em vista que os parâmetros vitais podem rapidamente sofrer alterações drásticas em casos de dispnéia e hipoxemia.
É preciso levantar o histórico do paciente, perguntando-o quando o quadro iniciou-se e se há história de episódios anteriores. Durante esse breve levantamento de dados, o enfermeiro poderá avaliar os sinais de fadiga respiratória. A incapacidade de falar (frases de uma só palavra, fala entrecortada) deve ser classificada como prioridade máxima. A articulação de frases mais longas, associada a saturação de O2 maior que 90% descaracteriza o quadro como prioridade zero, porém é sinal de alerta para possíveis complicações futuras. Outros sinais de fadiga respiratória também devem ser avaliados, tais como uso de musculatura acessória, cianose e respiração paradoxal.


Condutas e cuidados

  • Identificar rapidamente ameaças de risco à vida.
  • Avaliar o nível de consciência. Lembrar que quadros de confusão mental, agitação, sonolência e coma, podem decorrer da falta de oxigênio no cérebro ou do acúmulo de CO2 na circulação.
  • Obter acesso venoso periférico com cateter calibroso.
  • Observar o tórax para avaliar a presença de respiração espontânea.
  • Determinar o padrão respiratório: a respiração agônica é o padrão respiratório mais importante a ser reconhecido, pois não é capaz de sustentar a vida. As respirações agônicas são lentas e superficiais e associam-se ao estágio final de colapso circulatório e a má perfusão do tronco cerebral.
  • Verificar se a respiração é adequada quanto a frequência e profundidade. A bradipnéia pode ser adequada na presença de respiração profunda. A taquipnéia em adultos é definida como FR maior que 20/min e a bradipnéia com a FR menor que 10/min.
  • Avaliar a presença de obstrução de vias aéreas superiores, são sinais de obstrução incompleta de vias aéreas estridor e prolongamento da inspiração. A obstrução completa de vias aéreas altas caracteriza-se por respirações paradoxais (retrações intercostais e abdominais inspiratórias), cianose, afonia, ausência de ruídos respiratórios.
  • Iniciar a assistência ventilatória com BMV e oxigênio, caso indicado pelo médico.
  • Administrar oxigênio sob máscara 10-15 l/min se o paciente apresentar respiração espontânea, conforme prescrição médica.
  • Monitorizar o paciente com cardioscópio, monitor de pressão arterial não invasiva e oxímetro de pulso. Manter o ritmo cardíaco, oximetria e PNI continuamente monitorizados.
  • Reavaliar o nível de consciência, CAB e sinais vitais a cada 5 minutos, no mínimo.
  • Em casos de pacientes conscientes, permitir que assumam posição de conforto. Geralmente o paciente vai optar por ficar semi-sentado.
  • Não obrigar o paciente a deitar.


Dicas

  • Nível de consciência deprimido (escala de Glasgow ≤ 8), instabilidade hemodinâmica ou fadiga extrema são indicativos de intubação imediata.
  • A aminofilina deve ser evitada por apresentar alto potencial de toxicidade.
  • Estar preparado para lidar com PCR, pois as emergências respiratórias podem evoluir de um pequeno desconforto ao risco de vida em questão de minutos. A frequência respiratória do paciente e o esforço respiratório indicam a gravidade do problema.
  • Em casos onde a máscara de oxigênio não esteja disponível, notar que o volume máximo de O2 ofertado deve ser de 6 l/min.
  • Relembrando alguns termos:
    Taquipneia: > 20 ipm;
    Bradipneia: < 10 ipm;
    Hiperpnéia: aumento da amplitude do movimento respiratório;
    Hipopnéia: diminuição da amplitude do movimento respiratório;
    Apnéia: ausência de movimento respiratório;
    Ortopnéia: piora quando deita e melhora quando senta;
    Platipneia: piora em posição ortostática;
    Trepopneia: piora em determinado decúbito lateral;
    Dispnéia paroxística noturna: acorda com falta de ar;
    Respiração agônica: movimentos respiratórios espaçados, sem ventilação eficaz.
  • Padrões:
    Cheyne-Stokes: ciclo taquipneia-eupneia-apneia;
    Kussmaul: alternância sequencial de apneias inspiratórias e expiratórias;
    Biot: movimentos respiratórios imprevisíveis;
    Cantani: hiperventilação regular com movimentos respiratórios profundos.

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  • Classificação MRC (Medical Research Council)

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Referências

  • Fundamentals of Applied Pathophysiology: An Essential Guide for Nursing and Healthcare Students, Second Edition. Edited by Muralitharan Nair and Ian Peate.John Wiley & Sons, Ltd., 2013
  • Rotinas em Medicina Intensiva Adulto. Associação de Medicina Intensiva Brasileira – AMIB.
  • OSTINI FM et al. O uso de drogas vasoativas em terapia intensiva. Medicina, Ribeirão Preto, 31: 400-411, jul./set. 1998.
  • BRASIL. UNIVERSIDADES DE SÃO PAULO. Manual de enfermagem. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
  • Schvartsman, C. Manual Farmacêutico 2011/2012. Claudio Schvartsman, David Salomão
    Lewi, Roberto Naum Franco Morgulis, Silvana Maria de Almeida (editores). – São Paulo, Hospital Albert Einstein, 2010
  • Gilboy N, Tanabe T, Travers D, Rosenau AM. Emergency Severity Index (ESI): A Triage Tool for Emergency Department Care, Version 4. Implementation Handbook 2012 Edition. AHRQ Publication No. 12-0014. Rockville, MD. Agency for Healthcare Research and Quality. November 2011.
  • CALIL, A.M. e PARANHOS, W.Y. O Enfermeiro e as Situações de Emergência; 2ª Ed. Editora Atheneu, 2010.
  • Atendimento pré-hospitalar ao traumatizado, PHTLS/NAEMT; (tradução Renata Scavone.. ea al.), 7.ed. – Rio de Janeiro: Elsevier; 2011.
  • Volpato, Andrea Cristine Bressane. Enfermagem em Emergência. 1ª Ed. Ed. Martinari, SP, 2010.
  • Martins, Herlon Saraiva; Damasceno, Maria Cecília de Toledo; Awada, Soraia Barakat. Pronto-socorro: medicina de emergência – 3ª edição revisada e ampliada. 3ª Ed. Editora Manole, SP, 2012.

AUTOR: Enf. Italo Leite.

2013. DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS. NÃO PERMITIDA A CÓPIA DESSE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO ESCRITA DO AUTOR.

6 comentários em “Serie ‘O Que Fazer?’ – Abordagem ao paciente dispneico”

    1. Olá, Raissa Silva! É um prazer tê-la no nosso blog!

      A saburra lingual, também conhecida como língua saburrosa, é um biofilme formado pela deposição de bactérias na face dorsal da língua.
      Os cuidados prestados na higiene oral do paciente devem ser realizados de acordo com os protocolos operacionais de cada instituição. Em linhas gerais, recomenda-se a limpeza da língua com uma escova dental, de uso individual do paciente, embebida em solução aquosa de digluconato de clorexidina 0,12%, sempre no sentido postero-anterior. Em algumas instituições onde não são fornecidas escovas de higiene oral para os pacientes, uma solução é confeccionar um dispositivo de limpeza com uma espátula (abaixador de língua) envolvida com gaze estéril. Segurar a língua do paciente usando uma unidade de gaze ajuda na hora da higiene.
      Fique atenta aos protocolos de higiene oral preconizados pelas instituições e não esqueça de realizar a limpeza completa da cavidade oral. Isso pode ajudar a minimizar a formação da saburra lingual.

      Grande abraço!

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  1. Durante a assistência a um paciente dispnéico no serviço de urgência, D. Laura, técnica de enfermagem, através de qual técnica você administraria o oxigênio?

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